quarta-feira, julho 26, 2017

o que nunca viveu não pode morrer

Sempre gostei da madrugada. Parece que havia um cheiro diferente no ar, quase como se algo sensacional estivesse para acontecer. Acendi um cigarro, sentei na beira da calçada e fiquei vendo os carros passarem numa avenida perto de casa.

Fazia um mês que meu pai havia morrido. Eu estava usando uma camisa azul marinho de veludo canelado que foi dele nos anos 80. Não era nem perto do que seria um abraço dele, mas era o que eu tinha.
Desde que ele morreu eu não conseguia deixar de pensar no período que me separei de Soraia e passei umas semanas na sua casa. Foi logo antes de saber que eu seria pai. Logo antes dele descobrir o câncer.
Ele acordava carrancudo aos domingos mas saía parecendo um jovem que buscava se exercitar. Chegava a ser fofo, aquele homem velho com barba de bode que sempre que tomava café a deixava úmida da bebida, pegando sua bicicletinha e saindo para pedalar. Voltava bem humorado, cozinhava uma comida ruim e eu zombava dele o resto do dia.
Me contava histórias as vezes reais, as vezes mirabolantes, mas nunca deixava de me contar.
Sempre me contava sobre como era sua vida quando descobriu que ia ser pai da minha irmã, Evelin.
Ele foi embora e é como se tivesse uma torneira pingando pra sempre nas nossas vidas. Mas a torneira da Evelin pingava bem em cima de sua cabeça, e cada pingo parecia um martelo batendo, batendo.
Evelin chorou até desmaiar no velório dele, e nem eu nem ninguém a vê desde então. Ela pediu para botar na lápide "o que nunca viveu não pode morrer" mas ninguém concordou porque ele só não viveu em sua vida. Na minha e na das demais pessoas ele era o cara que enquanto estivesse na área, era certeza de gol. Sinto falta dele, e tenho pena de Evelin, nunca vai sentir de fato a falta que ele faz enquanto para ela, ele for apenas uma enorme chama de remorso queimando tudo a sua frente.


"Black and blue
And who knows which is which and who is who?
Up and down
And in the end it's only round and round and round and round"

quarta-feira, maio 24, 2017

Você só vive uma vez

Pablo, eu tinha 23 anos, trabalhava na IBM na época, me matava de trabalhar.
A mãe de sua irmã tinha ido viajar para o exterior fazia um mês, e fazia uns dois que havíamos rompido o namoro.
Não era para Alice ter sido tão importante, eu havia conhecido pela internet, tomamos uma cerveja e quando percebi, eu estava na casa dela. Ficamos algumas vezes que durou alguns meses. Brigávamos mais do que transávamos.
"Eu não quero ouvir essas coisas, pai."
Mas vai ouvir, viu, vai ouvir porque você ta num momento muito delicado e especial e eu só posso te oferecer isso, meus conselhos.
Então, dois meses depois que concordamos que não dávamos certo, ela me liga lá do outro lado do mundo dizendo que estava grávida.
"Era da Evelin?" Sim, era da Evelin.
Alice voltou pro Brasil com 6 meses e um barrigão, falou comigo rapidamente um dia desses e voltou pra terra dos pais dela, já estava enrabichada com um tal de Tom.
Tentei acompanhar a gravidez mas naquela época era muito complicado, a moeda de lá era cara, tudo era caro, não dava pra simplesmente atravessar o mundo pra cuidar da menina. Então quando a Evelin nasceu, eu ainda demorei uns 5 meses pra conseguir viajar.
Sua irmã era bonitinha, cabelo bem farto e preto igual o meu era. Covinhas nas duas bochechas e o sorriso igual da Alice. Eu me apaixonei por ela, o bebê mais lindo que já vi.
Voltei pra São Paulo com o coração partido. Comecei a trabalhar ainda mais e comprava brinquedos, roupas, ia estocando tudo. Foi na época que morei no prédio do João, a casa era uma zona de brinquedos. Foi a época mais agonizante da minha vida, vivi 5 anos assim, viajando uma vez por ano pra ver sua irmã e sendo massacrado pelo trabalho aqui no Brasil. Eu vivia apenas para isso, e tinha que lidar com toda aquela pressão, aguentar ver Evelin chamando o Tom de papai, Alice me odiando e não cooperando e eu sem um puto pra ajudar eles a criarem a minha menina. Meu dinheiro aqui do trabalho da IBM não valia de nada.
Aí eu abri a livraria e o resto você já sabe, me arranjei, conheci sua mãe, amei muito ela, Alice veio para o Brasil e eu pude ter mais contato com Evelin, ser pai dela de fato depois que o Tom sumiu.
Quando estava tudo bem, sua mãe me anuncia a sua gravidez. Porra, um menino! Pra comer tremoço e ver jogo do Ituano comigo, era tudo o que eu queria! Eu tinha a oportunidade de fazer com você tudo o que não consegui fazer com sua irmã.
Só que você sabe né Pablo, eu tive muita sorte. Sua mãe era uma jóia.
Se tem uma coisa que você precisa guardar dessa coisa toda que te contei agora é: dê valor a esse tempo agora que seu bebê vai nascer. Cuide bem de quem você ama. Aproveite o seu bebê, cada minuto com ele. Não seja o pai que eu fui para sua irmã...
"Você não teve culpa, pai..." Eu tive, filho, tive sim... e vou levar essa culpa para sempre. O tempo é implacável, Pablo. Eu perdi Alice, Evelin, sua mãe e minha juventude. Tudo o que eu posso fazer é tentar impedir você de cometer os mesmos erros que eu. Então cuide bem do meu neto, ensine tudo o que puder,  porque o tempo não volta, o tempo só avança nessa brincadeira sádica que é a vida.






quinta-feira, abril 20, 2017

Separação

Pablo separou da mulher.
Pediu pra passar uns dias em casa, chegou quarta-feira com o videogame e uma mala de roupa.
Perguntou algumas coisas, se eu tinha alguma diarista, como eu comia. Dei o numero do restaurante que me vendia marmitex e disse que vez em nunca eu chamava uma moça pra limpar. Perguntou se eu não tava comendo ninguém, dei risada.
Na sexta a noite, fui na casa do João jogar conversa fora e comer tremoço com cerveja. Contei pra ele que agora meu filho estava morando comigo, como era antigamente. Havia me dito que a mãe estava na Bahia com os parentes, que só por isso tinha ido para minha casa.
"E você não se ofendeu em saber que é a ultima opção do seu filho?" perguntou. Eu não me ofendi. Deve ser bem chato morar com um velho ranzinza de 60 anos que fuma e bebe como um gambá e só sabe reclamar de como São Paulo está ficando chata.
São Paulo está ficando chata. Se tem grafite reclamam, se não tem reclamam que não tem. Manifestação todo dia, que galera chata.
Mas até que algumas coisas vem para o bem. Eu por exemplo nunca mais peguei trem e metrô porque agora só ando de bicicleta.
Domingo eu levantei cedo e fui de bicicleta até a Vergueiro comprar uns legumes. Tenho saudades de quanto era vegano. Mas não tenho mais bolso para isso não, Tofu está caro, soja é caro.
Quando voltei, Pablo estava acordado só de cueca jogando videogame na sala. Já ia lá pelas 11h, agora eu entendia porque a mulher pediu separação.
Liguei para a mãe dele "Escuta aqui, você não vai voltar para São Paulo não? O Pablo ta aqui só de cueca na minha sala jogando Playstation" ela riu "Ai Aurélio, você sempre amoroso comigo e com seu filho né" e então me disse que demoraria mais algumas semanas para voltar.
Pablo me disse que ela estava casando pela segunda vez, com um cara de sua idade, um cara também divorciado, e também com filhos. E de repente eu me senti velho demais.
Quando conheci a mãe dele, ela tinha 21 e eu 39 anos. Eu já tinha uma barba branca de bode que levo na cara até hoje. Exibia Juliana ao meu lado tal qual uma joia, uma obra de arte. E ela era mesmo, e fazia eu me sentir com 21 anos também.
Mas acho que enjoamos um do outro, acabou o mistério e o companheirismo foi substituído pela obrigação de estar.
Aí um dia ela mudou e eu não liguei.
E eis que estou nessa vida até hoje.

"Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo."
Jean-Paul Sartre

É tempo de reciclar

Recentemente, li um artigo que fazia uma previsão de como seria o mercado têxtil nos próximos 15 anos. De forma geral, ele falava sobre a crescente demanda de reformar roupas antigas que voltam a moda, falava sobre pessoas que preferem comprar tecido e confeccionar a própria roupa do que ter que enfrentar lojas e preços nem sempre condizentes com a qualidade da peça. 
No ramo dos móveis, é notável o crescimento de revistas e programas de TV que estimulam a reforma de móveis antigos ou usados, até que tal objeto fique como novo. 
Desde que a crise econômica internacional se instaurou no Brasil, reformar, restaurar, reaproveitar e reciclar vem sendo lemas bem difundidos na sociedade, com alimentos, objetos, brinquedos, livros, água da chuva, etc. 
Porém segundo a revista Exame, o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente, uma vez que sendo a meta mundial de 50% de reciclagem e nosso país vem atendendo apenas 13%. 
Países como Áustria e Alemanha já atingiram a meta de 50% cujo o prazo é até 2020, cerca de 1% de seu PIB já advém desse reaproveitamento. 
Mas também é fato de que falta iniciativa governamental para que a meta seja batida. 
No Mato Grosso, por exemplo, a falta de lugares apropriados para reciclagem de vidro já é de conhecimento geral. Pilhas de garrafas se acumulam pois a unica forma de reciclar as garrafas seria trazendo até São Paulo, que é um procedimento caro. Nas estações mais quentes, o acumulo de garrafas passa a ser um problema que afeta a saúde dos mato-grossenses, uma vez que acumula água da chuva dentro dos frascos, facilitando a proliferação de mosquitos transmissores de doenças. 
Paralelamente a isso, devido a imensidão de nossa terrinha, em Caxias do Sul, ainda na onda da reciclagem (e todos agradecem), uma empresa desenvolveu um tijolo de construção feito de garrafas pet encontradas no lixo. 
No Nordeste, garotas estudantes do Instituto Federal do Alagoas criaram um tijolo a partir de cinzas de cana de açúcar e foram premiadas por isso. 
Existem mil maneiras de reciclar, seja com uma coleta seletiva, com a reforma de uma calça ou reaproveitando água, uma vez que o termo deixou de ser sinônimo de apenas reaproveitar resíduos e passou a significar a esperança de um mundo menos entulhado de lixo. 
E é de interesse do interesse de todos, reciclar está na moda e faz bem, então mãos a obra?