segunda-feira, dezembro 05, 2016

Rua Apagada

João tinha ido num chá-bar com a noiva naquele mesmo dia um pouco mais cedo. 
Ele a acompanhava em tudo agora, um medo tremendo de perder a moça. 
A noite fomos no Moço-Bar, o bar que tinha na porta do meu prédio e que a gente não tinha o menor interesse em saber o nome de ninguém, estabelecimento, garçom, caixa, nada. A gente levantava a mão e falava "Moço", logo apareceria um rapaz de sorriso fácil e mãos hábeis para nos servir um chopp gelado e um pratinho de azeitonas. 
Então, na noite daquele dia de chá-bar do João e da Bárbara, fomos no Moço-Bar. 
Estava tranquilo. Mas a noite seguia gélida, ou era eu que volte-meia me sentia mais friorento e sensível que o normal. Lembrava da minha pequena, lá do outro lado do mundo naquele lugar cheio de gente fria como a própria terra e ficava assim, com um nó na garganta achando que estava fazendo errado em deixá-la tão longe do nosso povo quente morando com a mãe. Da ultima vez que falei com ela, na manhã daquela mesma noite, estava eu dentro de um ônibus sentado num banco e a moça ao meu lado não parava de reclamar das minhas pernas abertas. 
Disse tchau a pequena e já logo ralhei com a moça do lado "não dá pra fechar as pernas não moça, se quiser troque de assento". A moça trocou, o ônibus não estava muito cheio. Anotei mentalmente de que nas próximas vezes iria de metrô para a casa. 
Contei pro João dessa moça, ele disse que fui rude. João era assim agora, desde que noivou. Tudo era questão de ser rude com as mulheres. João só faltava ter vagina, por causa das coisas feministas que Bárbara andava falando na cabeça dele. 
Eu via bem a cara dela sobre mim, quando entrava em casa, parecia estar entrando numa cueca usada. Tudo lavava, tudo queria limpar antes de usar. Boa gente, engraçada, mas muito moderna pro meu gosto. 
De manhã, quando consegui falar com minha pequena, voltava eu de um café da manhã vegano com uma garota.
Sim, eu fui a um encontro. Nem eu mesmo acredito que tive paciência de ir a encontro qualquer. Mas eis que conheci uma rapazinha muito arisca nas redes sociais e havia dias que não largávamos o papo. Ela disse qualquer coisa sobre não saber comprar mel orgânico e eu me ofereci para orientá-la numa feira orgânica no Santa Cecília. Aí tomamos café e na despedida, eu quis provar o sabor dos lábios de mel da menina. E depois fiquei pensando nela no caminho, como era jovem e decidida e doce. Então quis falar com minha filha e liguei. 
Estava bem, mas mal falava português. Senti ódio da mãe, a vaca que não ensinava português para a criança. Não sabia falar "caramelo" sem aquele sotaque alemão. Perguntei de Alice, falou que tinha ido ao supermercado. 
Todas essas vaginas na minha vida, tão difíceis de lidar. 
"Lide com um pau então, cara" disse o João. 
Então por um minuto entendi a cara que Bárbara fazia quando entrava na minha casa, e rimos. Observei a rua em frente ao bar. Toda apagada. 
Pensei que há século os homens já faziam isso, de se reunir depois do trabalho ou aos fins de semana para jogar conversa fora ou para falar de negócios - de acordo com a classe social dos membros. Tomavam cachaça, cerveja, vinho, falavam de suas vaginas como se elas fossem suas, como eu mesmo havia feito.
Na mesa do lado, quatro moças davam risada e tomavam uma torre de chopp de vinho. Pensei na mocinha do café da manhã daquele dia mais cedo e não tive muita vontade de cortejar as moças da mesa. Mas notei João sem aliança e sem desgrudar os olhos de uma morena.
Pensei o quanto para nós, João e eu, aquilo era normal. Ir pro bar sem nome, beber sem nenhum motivo especial e cortejar mulheres. 
E pensei que em uns tantos anos atrás não veríamos uma mesa só de mulheres fazendo o mesmo. 
Fiquei feliz, mas aquela rua apagada logo a frente me dizia uma coisa, me dizia que embora elas pudessem ser livres para sentarem no bar bebendo e comendo tremoço, elas jamais poderiam passar na rua apagada da mesma forma que eu ou João. 
Pensei na minha filha. De certa forma, o fato dela estar na Alemanha com sua mãe me confortou. 

Mesa de Bar - João Werner 05-07-08


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