domingo, setembro 25, 2016

Desculpe o transtorno, eu preciso falar do amor

Quando eu tinha 14 anos, descobri uma traição da minha mãe com outro cara.
Ela e meu pai eram casados desde sempre e meu pai era completamente apaixonado por ela.
Fazia todos os gostos dela. Era extremamente fiel, dedicado, bom esposo. Eu, que sempre tive problemas com meu velho, admirava demais isso nele. E ela, que eu sempre achei meio mimada mesmo sendo minha mãe, estava saindo com um cara da mesma idade dela e trabalhavam juntos. Descobri porque um dia durante a noite acordei e ouvi uma conversa muito sacana e picante do tipo que só poderia ser normal se fosse com meu pai. E não era, ele, que trabalhava a noite, não usava celular durante o expediente. Minha mãe achava que eu estava dormindo enquanto eu, do meu quarto ao lado da pequena saleta, conseguia ouvir todos os pormenores. Depois disso foi só espionar SMSs no celular dela enquanto tomava banho e meu pai já havia saído. Pimba!, lá estavam mensagens para um tal de Roberto que eu peguei raiva instantaneamente. Chutei a porta do banheiro gritando "Ô mãe! Sai aí que eu preciso falar com você!" e ela confessou tudo e implorou para que eu não contasse a ninguém. Estava em choque. Eu também.
Depois disso eu comecei a achar que esse negócio de amar alguém era a mais pura balela. Porque meus pais continuaram casados mas eu tinha certeza que eram casados por comodidade. Meus avós estavam ha 45 anos juntos, e brigavam mais que tudo. Que sentido faria para dois velhinhos de 70 anos estarem sós agora? Era muito mais cômodo permanecerem casados, mesmo depois de descobrirem que não existe essa de amor.
Analisei e cheguei a conclusão de que os casais ao meu redor não se amavam de verdade. Uma tia, irmã de minha mãe que tinha problemas em conseguir namorado, casou-se com um rapaz do interior do nordeste, para ela era comodo casar com ele porque tinha sido um dos poucos a se interessar por ela e para ele era vantajoso vir para uma cidade grande.
Minha irmã mais velha, jovem e insegura, com um garoto que da vida não sabia nada, que com minha família por perto tinha mais chances de conhecer coisas e lugares. Minhas tias todas tinham um fator que fazia do casamento delas algo mais obviamente comodo do que por amor.
Então, na minha conturbada adolescência, em que eu mesmo não acreditando na balela do amor procurava uma namorada, todos os casais seguiam para mim sendo superficiais.
Eu tentava construir coisas em comum com as garotas que me relacionava. Tentava construir essas coisas que os casais tem, códigos e piadas internas, dava presentes, mimava de todos os jeitos que eu conseguia, mas nunca sentia nada que fosse significativo o suficiente. Tentei por muito tempo ainda achar o que as pessoas chamavam de amor, mas não encontrava nem nos casais ao redor, nem em mim próprio a procura de alguém. Então desisti, e deixei que o tempo me levasse aonde quisesse.
Surgiram outros problemas para lidar. Alguns que não haviam solução, outros que a solução era bem difícil e consumia meu cérebro em tentar resolver. Eu evidentemente deixei de pensar em "achar um amor", como quando era adolescente. Tinha tanta coisa para eu fazer... Achava eu que esses problemas me fariam ainda menos atrativo para o alguém, se é que ele existia.
Depois de um tempo que havia desencanado de achar o amor, e mais tempo ainda que havia iniciado minha busca, achei. E então, como se fosse o refrão daquela musica do Arnaldo Antunes:
Mas mudou, você veio
Derrubando o mundo inteiro
Demorou, mas veio
Como a hora do recreio
Era tímida mas franca. Era tão linda. Era como se só existisse ela para mim. Eu queria ela para mim a vida inteira. Era diferente mas familiar. Eu me sentia uma rua esburacada e ela um paralelepípedo perfeito. Eu sentia que já a conhecia ha tanto tempo. Não tinha lugar mais gostoso para se estar no mundo do que em seus braços. Foi um corte na minha linha temporal, e um recomeço incrível.
E tão importante quanto amá-la, era saber que era recíproco. Eu via nos olhos dela, eu sentia na voz dela, sabia o quanto ela era a vontade comigo.
Sabia que agora o tempo poderia passar, porque eu ja tinha encontrado a minha outra parte.
Não me importava mais com o relacionamento dos outros terem ou não amor. Mas lamentava por eles não estarem sentindo o quanto era sublime.