Calçadas ao por do sol. Amendocrem. Cigarros mentolados. Cerveja choca. Sorvete
de morango. Maria-mole. Lulu Santos. Galeria do Rock. Pebolim. Hospital.
Moletons com capuz. Vans. Suco de morango com leite.
Por muito tempo, eu evitei essas
coisas aí que me lembravam demais ele. Por muito tempo, eu não conseguia ver
alguém mais ou menos parecido com ele na rua que ficava trêmula, suando,
coração acelerado. Por muito tempo eu não entendi nada, só entendi que não tinha
volta. E isso era como se fosse um abismo dentro da planície de ser eu. Como se
houvesse um pedaço dos meus pensamentos que não poderia nunca ser acessado,
pois seria um caminho sem volta. Era assim, eu lembrava dele em flashes todo
dia. Mesmo sem querer, mesmo dormindo num trem qualquer voltado de algum bar
mais bebada do que é possível explicar.
O rompimento foi extremamente
violento pra mim, uma explosão contra tudo o que eu acreditava. Fui morrendo,
deixando de gostar de qualquer coisa, me afundando em evitar as coisas que me
lembravam ele.
Foram períodos sombrios, como
quando você está em um ambiente que não é exatamente escuro e você consegue ver
algumas coisas através de sombras e só se prestar extrema atenção. E prestar
extrema atenção cansava tanto...
O fundo do poço foi quando notei
que todas as coisas que eu gostava antes de conhecê-lo deixaram de fazer
sentido, pareciam vazias e artificiais, forçadas. Mas porra! Aquilo era eu!
Aquilo era parte de mim!
Então as coisas que eu evitava,
parei de evitar. Ouvia Lulu Santos todo dia. E de repente me vi gostando de
suco e sorvete de morango. Era como me deliciar de um pedaço dele contra sua
vontade. Como de uma certa forma, te-lo de novo comigo. E então eu quase ouvi o
som do riso dele, como sininhos, que quando ria me deixava até vermelha, o dia
que fumei um cigarro mentolado vendo o por do sol tomando uma cerveja choca e
usando moletom de capuz. Eu me livrei de tudo o que me prendia! As coisas que
me lembravam ele estariam me rodeando o resto da vida, e eu não podia parar de
viver e morrer de tristeza por lembrar sempre que ele continuava existindo com
o sorriso maravilhoso e as camisetas verdes sem ter eu por perto. Eu adotei a
tristeza que aqueles itens me trazia, e me fortaleci com eles, me deleitando
com a perda a cada elemento.
E quando já não precisava mais,
estava eu saindo do prédio onde trabalhava e vejo ele. Ele. Não alguém parecido
com ele, não um rapaz de camiseta verde. Era ele, pessoalmente, ao celular,
sorrindo e conversando. Minhas pernas amoleceram, eu voltei para o prédio.
Lembrei de tudo, todas as vezes que dormi cheirando a camiseta da Irlanda que
ele esqueceu em casa. A tristeza que cada elemento me trazia. E lembrei o mais
importante: eu tinha voltado para mim. Se era feita de tristeza, era outra
história. Saber que ele estava lá fora, sorrindo o meu sorriso para alguém, nem
me interessava. O meu "ele" não existia mais. Morreu junto com o
nosso "nós".
Então eu saí. Ele ficou olhando e
eu segui.
E continuo seguindo.
***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***