terça-feira, junho 09, 2015

O cara do sorriso branco e reto

Ele ria como um tilintar de ferros, e eu tremia como uma foto 3x4 mal tirada, nervoso, gim, brilho, luzes vermelhas. Somos o que há de melhor. 

Sempre prezei pelas minhas lembranças, as vezes até mesmo em detrimento das minhas experiências. Entende? A minha preocupação com o que lembrar quando for velha é superior a vontade de fazer com que as experiências sejam duradouras. 

E então ele veio, entrou no bar, sentou do meu lado. Percebi que o cabelo dele agora tinha uma mecha longa que se destacava de toda a cabeça de cabelos curtos, que coisa odiosa. A infanta barba tentava despontar, mediocremente. Vestia um moletom de capuz, uma calça jeans escura e um desses tênis horrorosos cheios de molas no solado. Só que, ninguém nunca vai entender que não importa como ele estivesse vestido. Desde que eu pudesse dar uma olhada naquele sorriso reto, branco, brilhante e convidativo. Cara! Eu nunca gostei de nada na vida da forma como gostava de olhá-lo sorrindo. Eu gostava de olhá-lo até sem face, gostava de olhá-lo até se ele não olhasse para mim. Até se soubesse que era tudo artificial. 

Mas eu estava ali. De toda uma multidão de pessoas no mundo, de todas as pessoas que já tinham conhecido ele, de todas as mulheres que já se interessaram por ele, de todas as pessoas naquela sala de faculdade, era eu quem estava ali. Não podia ser coincidência. 

Já ali, eu era capaz de lembrar de todas as vezes em que conversamos. Todas as palavras que ele já falou comigo. Sobre meu relógio roxo, sobre minha bolsa pesada, sobre meu All Star de velcro, sobre cigarros, sobre mulheres, sobre os pés das mulheres, sobre homens, sobre barbas. 

Eu tenho as melhores lembranças, até os momentos de briga e discussões que me faziam acha-lo um idiota, contam nestas lembranças. Até os últimos momentos antes do último momento. 

Ele pediu um cigarro, eu, que sempre fingia que não estava me importando com ninguém, coloquei sobre a mesa cigarro e isqueiro. Nenhuma palavra, eu me sentindo extasiada, ele comentou que eu estava bonita. Me ajeitei no banco do bar, entrelacei os dedos e esperei. 
Fui invadida, a sensação era como se tivessem tirado meu cérebro do lugar, dado uma chacoalhada e colocado no lugar. Todas as coisas e placas passavam como borrões numa tele transferência. Só tinha sobrado ele ali na minha frente, me beijando. 
Ele me faz correr e perder todas as coisas como um barco perde o rumo sem poder manter controle dos elementos que o fazem funcionar. As vezes eu me sentia um fantoche e era um prazer ser manipulada por ele. 
Bob Marley começou a tocar, estragando meu momento. 

Era o início de uma parte da minha vida, a melhor de todas. 



***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***