quarta-feira, dezembro 09, 2015

Quando se desperta pelas causas que valem a pena

Quando se tem uma fixação por alguém que não tem nada a ver com atracão sexual... Foi assim que a conheci, na empresa de moda que trabalhávamos. 
Estávamos no antro daqueles a quem temos que combater, e no começo, antes de conhece-la, eu fingia ser um deles. Eu ria das piadas sem graças, e comentava sobre as notícias do jornal no café da manha. Não é difícil parecer ser uma imbecil. 
E entao, eu comecei a me liberar aos poucos dentro da empresa. Ouvia meus raps cabulosos durante o almoço, vestia estampas africanas que nada tinham a ver com a moda de lá. Comentava notícias de portais totalmente opostos e esquerdistas. Naturalmente, fui mostrando quem era. 
Sempre via ela pra lá e pra cá na empresa, recolhendo impressões e colocando os sapatos do estoque, cabeça baixa, nunca sorria, e o rastro de comentários horríveis que os colaboradores acéfalos viviam fazendo sobre ela. 
Ela era Giovana, uma negra de dois metros de altura, uns 70 cm de circunferência em cada coxa, magra e enorme, chamava a atenção. Tinha um bigode feminino juvenil e inocente. Grandes sobrancelhas e cabelos tipo lã grossa e negra, curtos. 
Num ninho de cobras brancas, eu e ela éramos as únicas negras. Em meio aquele mar de hipocrisia, onde o racismo existe e nos oprime o tempo todo, eu devia fingir que aquilo tudo era normal. Uma moça, jovem aprendiz de 15 anos era comentário no café da manha de gente que pensa que pensa. Porque era negra. Porque tinha bigode. Porque aparentemente era financeiramente desfavorecida (e muito provavelmente o cargo de Jovem Aprendiz só reforçava isso). Porque não seguia o padrão loira-magra-salto-cabelo-longo que todas ali tentavam se enquadrar. 




terça-feira, dezembro 01, 2015

Política para quem precisa, política para quem precisa de política!

Dentro do trem, metrô, ônibus, redes sociais, etc, é comum ouvir o comentário de que “gente que discute política” é chato e política no geral é chato. Mas por que é? Porque exige conhecimento que sabemos que não se adquire lendo meia hora de noticias. Exige de nós conhecimento em história, sociologia, e todas as disciplinas enfadonhas que tivemos a vida toda no ensino básico.
E aí você se depara com a grande falha que foi o seu ensino fundamental e médio, principalmente se foi público. Porque você chega na escola e tem professores que nos fazem engolir guela abaixo um conteúdo programático antiquado, que nada tem a ver com o que realmente achamos e vivemos. E a culpa nem é do professor, geralmente.
E devido a anos de falta de interesse nestas disciplinas de ciências humanas, é acumulado também anos de justificada ignorância sobre o que se passa ao seu redor. Você passa a ignorar os noticiários econômicos porque eles não dizem nada inteligível a você. E sua auto estima vai por agua abaixo, “como assim eu não sei o que é taxa Selic?” . E pra que tentar entender como funciona o congresso, se tudo o que te mandaram aprender era sobre como funcionava o sistema feudal de um período em que as pessoas mal tomavam banhos? Como podem exigir de você um conhecimento que você nunca teve acesso?

Porque tem uma coisa que a gente só percebe depois do ensino básico: conhecimento nunca é efêmero. Conhecimento é uma construção. Dia após dia, lendo e relendo, rabiscando, decorando e esquecendo e decorando de novo. E relembrando várias vezes depois. E marcando ele nas nossas vidas.

E é só construindo o conhecimento que você se interessa pelo o que acontece ao seu redor, pois o olhar crítico com bom embasamento estará presente nas análises diárias. E é isso que diariamente se ouve sobre “gente que discute política”, que nada mais é do aquele seu colega que resolveu parar de reproduzir baboseiras e correu atrás do prejuízo do ensino básico aprendendo história, sociologia, filosofia, geografia, economia e etc.

Ainda nos falta muito para acabar com o atraso que o ensino de má qualidade nos proporcionou, mas é com força de vontade e bom aproveitamento das ferramentas será possível vencer o atraso. 

sexta-feira, novembro 27, 2015

Chega de veneno

Eu estou sentada em algum canto da minha mente me perguntando o que tem de errado comigo. Fumando meu cigarro como sempre, e tentando identificar que coisa há de errado. 


Me disseram para ser magra, eu fui lá e emagreci.
Me falaram para estudar, eu estou estudando.
Me falaram para ser politizada, preocupada com o meio ambiente e com as próximas gerações. Eis me aqui, sendo tudo isso.
Aí então, não satisfeitos, disseram que eu tinha que ser bem vestida, sorrir sempre e ser delicada.
Eu cortei os palavrões do meu vocabulário, comprei as roupas mais caras, fiquei loira e aprendi a sorrir e falar delicadamente e baixo.

Aqui estou, esgotada de tudo o que os homens me mandaram fazer. Aqui estou usada, manipulada, transformada e cansada. Exausta. 

terça-feira, novembro 24, 2015

...pois que seja fraqueza, então.




Calçadas ao por do sol. Amendocrem. Cigarros mentolados. Cerveja choca. Sorvete de morango. Maria-mole. Lulu Santos. Galeria do Rock. Pebolim. Hospital. Moletons com capuz. Vans. Suco de morango com leite.

Por muito tempo, eu evitei essas coisas aí que me lembravam demais ele. Por muito tempo, eu não conseguia ver alguém mais ou menos parecido com ele na rua que ficava trêmula, suando, coração acelerado. Por muito tempo eu não entendi nada, só entendi que não tinha volta. E isso era como se fosse um abismo dentro da planície de ser eu. Como se houvesse um pedaço dos meus pensamentos que não poderia nunca ser acessado, pois seria um caminho sem volta. Era assim, eu lembrava dele em flashes todo dia. Mesmo sem querer, mesmo dormindo num trem qualquer voltado de algum bar mais bebada do que é possível explicar.

O rompimento foi extremamente violento pra mim, uma explosão contra tudo o que eu acreditava. Fui morrendo, deixando de gostar de qualquer coisa, me afundando em evitar as coisas que me lembravam ele.
Foram períodos sombrios, como quando você está em um ambiente que não é exatamente escuro e você consegue ver algumas coisas através de sombras e só se prestar extrema atenção. E prestar extrema atenção cansava tanto...
O fundo do poço foi quando notei que todas as coisas que eu gostava antes de conhecê-lo deixaram de fazer sentido, pareciam vazias e artificiais, forçadas. Mas porra! Aquilo era eu! Aquilo era parte de mim!

Então as coisas que eu evitava, parei de evitar. Ouvia Lulu Santos todo dia. E de repente me vi gostando de suco e sorvete de morango. Era como me deliciar de um pedaço dele contra sua vontade. Como de uma certa forma, te-lo de novo comigo. E então eu quase ouvi o som do riso dele, como sininhos, que quando ria me deixava até vermelha, o dia que fumei um cigarro mentolado vendo o por do sol tomando uma cerveja choca e usando moletom de capuz. Eu me livrei de tudo o que me prendia! As coisas que me lembravam ele estariam me rodeando o resto da vida, e eu não podia parar de viver e morrer de tristeza por lembrar sempre que ele continuava existindo com o sorriso maravilhoso e as camisetas verdes sem ter eu por perto. Eu adotei a tristeza que aqueles itens me trazia, e me fortaleci com eles, me deleitando com a perda a cada elemento.


E quando já não precisava mais, estava eu saindo do prédio onde trabalhava e vejo ele. Ele. Não alguém parecido com ele, não um rapaz de camiseta verde. Era ele, pessoalmente, ao celular, sorrindo e conversando. Minhas pernas amoleceram, eu voltei para o prédio. Lembrei de tudo, todas as vezes que dormi cheirando a camiseta da Irlanda que ele esqueceu em casa. A tristeza que cada elemento me trazia. E lembrei o mais importante: eu tinha voltado para mim. Se era feita de tristeza, era outra história. Saber que ele estava lá fora, sorrindo o meu sorriso para alguém, nem me interessava. O meu "ele" não existia mais. Morreu junto com o nosso "nós".


Então eu saí. Ele ficou olhando e eu segui. 
E continuo seguindo.














***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***



terça-feira, junho 09, 2015

O cara do sorriso branco e reto

Ele ria como um tilintar de ferros, e eu tremia como uma foto 3x4 mal tirada, nervoso, gim, brilho, luzes vermelhas. Somos o que há de melhor. 

Sempre prezei pelas minhas lembranças, as vezes até mesmo em detrimento das minhas experiências. Entende? A minha preocupação com o que lembrar quando for velha é superior a vontade de fazer com que as experiências sejam duradouras. 

E então ele veio, entrou no bar, sentou do meu lado. Percebi que o cabelo dele agora tinha uma mecha longa que se destacava de toda a cabeça de cabelos curtos, que coisa odiosa. A infanta barba tentava despontar, mediocremente. Vestia um moletom de capuz, uma calça jeans escura e um desses tênis horrorosos cheios de molas no solado. Só que, ninguém nunca vai entender que não importa como ele estivesse vestido. Desde que eu pudesse dar uma olhada naquele sorriso reto, branco, brilhante e convidativo. Cara! Eu nunca gostei de nada na vida da forma como gostava de olhá-lo sorrindo. Eu gostava de olhá-lo até sem face, gostava de olhá-lo até se ele não olhasse para mim. Até se soubesse que era tudo artificial. 

Mas eu estava ali. De toda uma multidão de pessoas no mundo, de todas as pessoas que já tinham conhecido ele, de todas as mulheres que já se interessaram por ele, de todas as pessoas naquela sala de faculdade, era eu quem estava ali. Não podia ser coincidência. 

Já ali, eu era capaz de lembrar de todas as vezes em que conversamos. Todas as palavras que ele já falou comigo. Sobre meu relógio roxo, sobre minha bolsa pesada, sobre meu All Star de velcro, sobre cigarros, sobre mulheres, sobre os pés das mulheres, sobre homens, sobre barbas. 

Eu tenho as melhores lembranças, até os momentos de briga e discussões que me faziam acha-lo um idiota, contam nestas lembranças. Até os últimos momentos antes do último momento. 

Ele pediu um cigarro, eu, que sempre fingia que não estava me importando com ninguém, coloquei sobre a mesa cigarro e isqueiro. Nenhuma palavra, eu me sentindo extasiada, ele comentou que eu estava bonita. Me ajeitei no banco do bar, entrelacei os dedos e esperei. 
Fui invadida, a sensação era como se tivessem tirado meu cérebro do lugar, dado uma chacoalhada e colocado no lugar. Todas as coisas e placas passavam como borrões numa tele transferência. Só tinha sobrado ele ali na minha frente, me beijando. 
Ele me faz correr e perder todas as coisas como um barco perde o rumo sem poder manter controle dos elementos que o fazem funcionar. As vezes eu me sentia um fantoche e era um prazer ser manipulada por ele. 
Bob Marley começou a tocar, estragando meu momento. 

Era o início de uma parte da minha vida, a melhor de todas. 



***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***