segunda-feira, novembro 03, 2014

As drogas do povo contemporâ​neo

Recentemente descobriu-se que o grande escritor dos anos 20 do segundo milênio, Maicon Romaldo, autor de vários livros importantes para o desenvolvimento da nossa tão rica literatura e até hoje o único laureado na categoria Literatura pelo já extinto Prêmio Nobel, era viciado em drogas como refrigerantes e cigarro.


O escritor que nasceu em 1995 na cidade de Itapevi e morreu num acidente de trânsito em São Paulo em 2028, onde morou por toda a vida, teve o auge de fama entre 2011 e 2028, com o lançamento da trilogia, "Um Morto Muito Louco", poesia que falava de vários tipos de entidades que o povo desta época costumava acreditar e alimentar sentimentos positivos.
Atualmente, já sabemos que as drogas hoje ilícitas como refrigerante e cigarro de nicotina e alcatrão, eram distribuídas e vendidas em qualquer lugar, podendo existir para aquela época inclusive, máquinas de refrigerantes nas ruas, onde qualquer pessoa conseguiria se drogar com uma lata de alumínio contendo o líquido de Coca-Cola por exemplo, em seu interior. Os cigarros também eram algo comumente vendidos, lugares denominados "botecos" eram em sua maioria, os principais distribuidores de tal droga.

Em um documento encontrado pela equipe de pesquisas arqueológicas da grande Universidade Nove de Julho, foi concluído que Maicon Romaldo era dependente de Coca-Cola, sendo esta muitas vezes a responsável pelo seus devaneios nos seus livros e também o cigarro, mais específicamente, Marlboro Vermelho, um tipo extremamente forte da droga que provoca os mais diversos tipos de reações a quem o consome.

Provamos mais uma vez, o quanto o povo contemporâneo era demasiadamente viciado em drogas pesadas, motivo pelo qual talvez justifique a falta de grandes produções em vários âmbitos do intelecto da época.

Folha de São Tanás - 23/10/2156 - Kiev Cristo

sexta-feira, outubro 31, 2014

Camundongos de estimação

Hiago tem camundongos de estimação. Ele não sabe mensurar quantos são e nem onde eles ficam, mas eles estão por aí. Hiago os vê e alimenta-os na estação Barra Funda. Enquanto aguarda o trem, seus camundongos preferidos, o Paulinho e o Arnaldo, aparecem entre as ferragens e Hiago os admira. A pelagem acinzentada como se tivessem cobertos de fuligem, ou como se tivessem escapado rapidamente pelo carburador de um carro velho.

Paulinho e Arnaldo são os mais velhos de uma ninhada inteira que Hiago conhecia desde sempre. Na verdade não havia como determinar quais eram Paulinho e Arnaldo ou quais eram de outra ninhada, mas para Hiago, todos eram da ninhada de Paulinho e Arnaldo.
Hiago sempre mantinha em sua mochila um pacote de amendoins para seus camundongos. Ao descer a escada rolante, Hiago já se posicionava na beira da plataforma, para além da linha amarela de segurança e observava atentamente linha de ferro do trem. Qualquer movimento, o mínimo chacoalhar do mais imundo papel entre a malha de ferro, Hiago sabia que era Paulinho ou Arnaldo. Despejava o amendoim na linha e os via roer e arrastar os grãos até um buraco qualquer na parte abaixo da plataforma. 

Eram tão pequeninos, era incompreensível para Hiago os olhares das outras pessoas na plataforma, com nojo ou achando que Hiago era louco. Eles não podiam fazer mal algum a ninguém. 

Certo dia Hiago sonhou um sonho louco. Sonhou que Paulinho e Arnaldo lhe agradeciam. Empinavam o focinho minúsculo para cima e entre seus dentes tão grandes, saía um ruído que lhe parecia um "muito obrigado Hiago". 

Então toda vez que Hiago os alimentava, ficava olhando para Paulinho e Arnaldo, quando eles cheiravam o alimento, esperando que o sonho fosse verdade.



*este conto faz parte da série infanto-juvenil "Quem conta um conto, ganha um ponto", postado originalmente em 28/08/13

domingo, outubro 26, 2014

Os Novos Politizados

Até onde o extremismo político é saudável?

Visto que atualmente o Brasil passa por um momento extremamente polarizado onde basicamente é a direita contra a esquerda política, o sul/sudeste contra norte/nordeste, e o ódio sendo destilado e fumegando em várias rodas de conversas que sem muito esforço viram discussões passíveis de serem levadas para o lado pessoal, até onde a postura radical e o ponto de vista sem brechas ou flexibilização pode ser saudável para uma população, principalmente uma assim, misturada como a brasileira?

Segundo a psicologia, quando algo se manifesta em um ato de raiva ou violência, pode ser a consequência de uma frustração ou decepção. Há alguns anos acompanhamos noticiários cada vez mais mordazes atacando nossa política e denunciando casos de corrupção cada um mais escandaloso que o outro. Isso, visto pelo cidadão que recentemente subiu de classe e conquistou cada bem adquirido com trabalho e incentivos do governo, soa como uma traição, uma vez que alguns personagens desses casos de corrupção são massacrados pela mídia e reverberam no falatório popular.

Com o aumento dos preços por uma instabilidade inflacionária da economia brasileira em 2014/2015, os pertencentes dessa classe média emergente viu tudo o que foi conquistado no governo Lula e isso o fez entrar em alerta. Sempre sendo manipulado por uma mídia golpista que admite ter apoiado o que foi o maior retrocesso da sociedade brasileira, a Ditadura Militar, esse cidadão explode e se deixa levar por motivos que talvez não sejam seus, mas que o indignam nem se sabe porquê.

Se indigna porque, afinal? Se nos últimos anos ele conseguiu fazer faculdade, celular, carro, internet, computador, eletrodomésticos de alta tecnologia e até casa? E se se indigna, então que seja coerente, já que muitos desses cidadãos indignados só se manifestam por uma parte dos supostos problemas, e uma outra parte, mais regional, nem se quer se incomoda do fato de não ter água ou bom salário aos professores.

Talvez falte um reconhecimento de classe. Talvez o cidadão emergente esteja com uma mentalidade de uma classe a qual não pertence, mas que quem faz parte quer que pense que são todos da mesma classe porque quanto mais gente, mais força. Mas não são, afinal o cidadão que conseguiu comprar um apartamento pelo Minha Casa Minha Vida não está no mesmo núcleo de quem compra uma BMW por ano. E é sempre assim, desde que estejam protestando por uma causa que não diz respeito a classe emergente mas sim a elite, a elite recebe a classe emergente de braços abertos. Mas não tente  frequentar o colégio particular dos seus filhos ou invadir a primeira classe na sua viagem para Miami.

Mas, como todas as farsas, esta também há de cair. Porque não há elite que deseje igualdade, e é só uma questão de tempo para os novos politizados revoltados on-line notarem que não fazem parte desta classe e jamais farão.




sábado, outubro 25, 2014

eu li em um muro 'falta de coragem não é covardia', mas já era tarde demais


Existem coisas que nós precisamos saber por nós mesmos. Eu estou descobrindo algumas dessas coisas.

As vezes você vai conhecer alguém, mas ela não vai te conhecer. Você vai se ver nessa pessoa, e vai ser feliz por ela, pelo fato dela ter a coragem de se dar bem fazendo uma coisa que você não teve coragem. Como ser cantora, como se dedicar a música ou a arte, que no fundo, é a única coisa que vale a pena.

Aí você vai colocar a música dessa pessoa pra tocar na janela do seu quarto, pensando "e se eu tivesse tentado?", você vai acompanhar ela na música, vai imaginar onde ela está neste momento. Vai se imaginar em palcos, vai pensar na vida pacata que você leva e nos vários obstáculos que teria que enfrentar para ter se tornado cantora. Vai pensar "é impossível", e vai seguir, com o desejo perturbador de fazer as pessoas conhecerem o que você sabe fazer de melhor.

Vai ficar pensando nisso por vários dias, isso vai te perturbar de verdade, ao ponto de você querer dormir só pra não ter que pensar na possibilidade de ter vivido do prazer. Você poderia ter vivido da sua música, exatamente agora, aos vinte anos, estaria no auge do começo. O mundo precisa da sua voz, as pessoas precisam de ter você presente nos dias dela, no rádio do carro durante o transito, em seus ipods durante o trajeto para a faculdade, num festival, com todo seu talento exalando no ar e impregnando as pessoas. Uma alma é algo grande demais para ficar preso apenas em um escritório ou um apartamento.

Você precisa disso, e o mundo precisa de você. Mas você preferiu se esconder, e deixar as coisas serem normais da forma como foram com seus pais. Uma série de pensamentos escrotos vão permear a sua cabeça, mas no fundo você vai saber que eles são invenção do ócio.

Aí você vai envelhecer ouvindo suas cantoras favoritas que tiveram coragem de tentar e deram certo, diferente de você que nem se deu ao trabalho de tentar.

originalmente postado em 30/1/14

quarta-feira, outubro 22, 2014

O Teatro Mágico

Era uma vez uma garota meio complicada que um dia, descobriu no seu computador algumas músicas diferentes do rock n roll que estava habituada a ouvir. Eram músicas em português, de cunho crítico social, ou românticas, ou folclóricas, ou eletrônicas mas todas carregadas de algo que não existia na música brasileira há muito tempo: poesia. Aquelas músicas começaram a tomar um espaço cada vez mais amplo na rotina daquela menina, e a playlist onde se encontravam tais canções no iPod foi ficando gorda.
Era possível ouvir aquelas canções em qualquer ocasião do dia, pois elas falavam sobre todas as coisas. Se estivesse dentro do trem, havia a que falasse de um certo monstro que engolia o bem estar das pessoas. Se estivesse em casa, sozinho, havia aquela que falava sobre uma forma curiosa de comparar a sua fé ao seu café. E se estivesse no mar, tinha aquela que contava a linda estória de uma garota cujo o mar se apaixonou.
Havia ainda muitas outras, cada qual numa leva sempre de 19 canções por álbum, de um grupo de muitas pessoas que se entitulavam "trupe", e a garota gostou daquilo. Não era uma banda, não era um mero grupo, não eram só artistas, eram uma trupe. Eram originais, diferentes, únicos. Suas canções eram um marco tanto para a garota complicada que relacionava sempre a trupe a belas manhãs ensolaradas com gente feliz descendo do ônibus rumo ao trabalho, quanto para a própria música brasileira que não tinha nada assim tão cativante a pelo menos 20 anos.
Então, os anos dourados, a melhor fase da vida daquela garota foi marcada pela música cativante da trupe de rosto pintado que viera da sua cidade vizinha.
O tempo passou, como é o normal de ser. A garota cresceu, virou então uma mulher ainda mais complicada e nem mesmo a música era capaz de ajudá-la novamente. Mas mesmo que fosse capaz, a tal trupe que fazia parte da sua história, já não era a mesma. Não se parecia mais com uma trupe. Embora o número de fãs tenha aumentado mais do que ela mesma esperava (e desejasse pois tinha até ciúmes da trupe), a trupe agora era apenas uma banda. Suas canções não tinham estórias. Suas perfomances de palco não tinham mais brilho. Suas vozes eram por demais ensaiadas. Suas letras pareciam compradas em qualquer folhetim. Era o fim de uma trupe e o início de (mais) uma banda.
Era a invalidação de todo um período da vida daquela garota. Era a anulação de um estado de bem, como se tudo tivesse sido uma farsa.
Via filas de fãs para o show da trupe-banda, mas sabia que nenhum deles ali sentia em seu estômago o queimar adocicado da ansiedade por algo que amava.
É, talvez a garota amasse a trupe. Mas agora já não mais. Em seu peito havia a marca de uma chama que queimava "só enquanto eu respirar" ela repetia com os olhos carregados de lagrimas. Em sua mente, nas suas memórias, havia um epitáfio curto e sombrio escrito "aqui jaz O Teatro Mágico, uma trupe que já foi".

segunda-feira, outubro 20, 2014

VIDA NÃO É JUSTA

Você nasce. Aí começa a crescer.

Percebe que sua mãe é a melhor pessoa do mundo e seu pai é seu super herói.
Você não tem motivo nenhum pra sentir ódio ou raiva. Musica te faz bem. Seus brinquedos e seus irmãos são seus maiores companheiros. Brincar é tudo o que há de melhor no mundo. Toddynho combina perfeitamente com Castelo Rá Tim Bum, Goku é tão foda quanto deus, Dragonball e Pokémon viram religião, filosofia de vida.
Aí vem os esportes. O futebol na rua com a molecada, as risadas, os dedos esfolados, as traves de chinelo.
As lutas, as corridas, os mergulhos, as pipas, os doces.
Tudo se resume a meia dúzia de balas e bolinhas de gude, não existe preocupação.
Só que um dia você se dá conta de que as coisas já não tem tanta graça.
Sua aparência te preocupa, passa a ser mais importante que o carro do churros. Você se sente estranho quase sempre. Deslocado, no lugar errado e na hora errada do mundo inteiro.
Começa a ter desejos que te deixam envergonhado, começa a considerar a ideia de pecado. Só que a pressão dentro de você é tanta, que passa então a se rebelar contra si mesmo em busca de preencher um vazio.

Um vazio que é maior que um buraco negro no espaço e que vai te torturar sem pena.

Vem as alternativas. Amigos, que preenchem parte do espaço do buraco negro como um aerosol que se dissipa no ar com o passar do tempo.
Bebidas, drogas, que te tiram de perto do vazio e te levam pra um lugar estranho dentro da sua própria cabeça.
Sexo, que faz você achar que o buraco negro dentro de você era mentira, por um curto momento.
Então cansado de lutar contra si mesmo, você encara o vazio enorme dentro de si, e tenta aprender com ele. Passa anos levando-o consigo ao trabalho todos os dias, porque você tem que trabalhar agora.

Então um dia, o buraco negro e vazio que te ocupa, começa a lhe sorrir, e você, ao sorrir de volta, vê alguém através dele. E então, percebe que não é o único estranho no mundo a ter um vazio amargurado como bicho de estimação. E isso acaba te aproximando de um semelhante. Até que, sem perceber, você se dá conta de que seu vazio negro amargurado se uniu ao buraco negro angustiante do semelhante, levando os dois a um abismo negro de instabilidade e incertezas que as vezes, as pessoas chamam de amor.

É tarde demais pra retornar, e mesmo se conseguir, quando retornar a superfície da realidade, seu vazio será dez vezes maior, levando junto pra escuridão as poucas coisas que o aliviava. A vida não é justa, não é mesmo? Mas ainda é possível confiar uns nos outros pra nos puxar do abismo que existe dentro de todos nós.

*originalmente postado em 25/06/14

sexta-feira, setembro 12, 2014

Porque Comedown Machine é o melhor disco da The Strokes


Album Comedown Machine (2013) – The Strokes
O quinto álbum da banda nova-iorquina The Strokes chegou às lojas em março de 2013 e ainda gera polêmicas e criticas enviesadas. Com grande influência dos anos 80, a banda consegue consagrar toda a sua maturidade em um misto de faixas que tanto retoma características do início avassalador que tiveram nos anos 2000, quanto demonstra sua nova face frente público com já 14 anos de estrada.

A guitarra perturbadora de Nick Valensi e Albert Hammond Jr permanecem chamando atenção, fazendo dupla com os refrões marcantes de letra suave e de vocal duplicado de Julian Casablancas. Tanto desafiadores que são, ainda é difícil distinguir qual é a guitarra base e qual é a solo, se de Nick ou de Albert, exatamente como eles se apresentam nos shows, mexendo com os sentidos confundindo com riffs criativos e marcantes.

As influências deste álbum, embora não declaradas e diferentes dos dois primeiros álbuns de incrível sucesso da banda, não poderiam ser melhores. É possível notar a velha face da banda, com sua velha influência outsider de Lou Reed, The Velvet Underground e certa coisa de The Hollies. Ao mesmo tempo, é notável perceber que o vocal de Julian diferente de todos os outros discos. A música é contínua, nos remete a Is This It, como a track 80’ Comedown Machine, perfeita em misturar a velha The Strokes com a nova face oitentista que culmina especificamente nesta faixa.

Já, em faixas como o divertido single One Way Trigger, nota-se claramente a influência dos anos 80, dos noruegueses do A-Ha. Em Welcome to Japan, quase dá para associá-la com o hit de 1989 “China Girl” de David Bowie, e Partners in Crime, com características de Echo and The Bunnymen e New Order, onde os próprios componentes da banda já se juramentaram como fãs.


Parece que depois de tropeçar em algumas faixas não muito aceitas no último disco “Angles” de 2011, a banda carismática de jovens promissores encontrou o caminho, sempre não se importando com as críticas e seguindo aquilo de que gostam e que fazem parte de si mesmos.

Fonte:
http://www.thestrokes.com.br/ (acesso em 12/09 16:24)
           
http://www.thestrokes.com/ (acesso em 12/09 15:25)

sábado, agosto 30, 2014

Veja bem, querida

Não posso negar que foi um dia diferente, como imaginamos que seria. 
Por muitos meses, entreguei panfletos de condomínios classe média que eu nunca morarei. Guardava metade do salário diário para realizar seu sonho. 
A outra metade, você sabe, era o meu biotônico fontoura. 
Então, meses antes, comecei a analisar as possibilidades de transporte. 
Eu queria um táxi, mas queria que não nos faltasse nada. 
Queria roupas novas, bonitas e limpas para variar. Eu queria enfeitá-la, como a princesa que você é. 
Queria um mar dourado de moedas de ouro pra te presentear. 
Não sei o valor que se paga por um anjo. 

Então, no melhor estilo new rich, te dei um bonito vestido. Seu sonho, que aquela altura já era meu também, estava sendo desenhado com um tijolo na calçada que dormíamos todos os podres dias da nossa sobrevivência. 

Mas aí, chegou o inverno e os casacos de pele de chinchila da rua dos outros não quiseram nos vestir. 
O negro nos vestiu, nos circundou por meses, eu afundado na maldita cachaça, e você vendendo o que tinha de mais precioso: o sorriso de sua mãe. 

A velha calçada então se iluminou com o bom sol chuvoso de Setembro, e as coisas melhoraram. 
Eu queria que tudo nos desse certo até Novembro, então teríamos muito trabalho pela frente. 

Eu era tudo. Manobrista, marronzinho, carregador de caminhão, panfleteiro, homem-placa e seu pai. Você ainda era puta e andava trabalhando demais. 

Então, dia 31 de outubro de manhã, eu contei nosso dinheiro guardado: perfeitamente contato para realizar nosso sonho. 

E no mesmo 31 de outubro, eu vi sua vida fugir dos lábios em uma pneumonia mal-curada. 

O mundo não sentirá falta de nós querida. 
Eu realizei nosso sonho, vim visitar o mar de que você tanto imaginava. Sinto sua falta, o cheiro de sal lembra o cheiro da sua morte. A AIDS estava matando você, e eu nunca percebi. Talvez este sonho de ver o mar estivesse nos deixando loucos. 

Frente ao mar de ouro que te prometi um dia debaixo de um toldo velho onde vezes dormíamos, eu repito como se estivesse aqui: veja bem querida. 

sexta-feira, agosto 15, 2014

desde sei lá quando

Você se lembra daquele rapaz magrinho? Estava sempre escondido, não andava com ninguém só falava o necessário. 

E aquela menina que passava os intervalos da escola escondida atrás da quadra, lendo, você se lembra? 

Tinha também aquele gordinho que ficava procurando alguém para jogar xadrez com ele na aula de Educação Física, já que era excluído do futebol. 

Antes disso, ainda tinha também aquela que tinha piolho e as roupas eram velhas e nem sempre limpas. Era negra, a mulecada olhava estranho, não gostava muito. 

E tinha eu. E tinha você. 

O rapaz magrinho, que lá no Ensino Fundamental era tão excluído que nunca nem nos preocupamos em saber o nome, hoje tem carro, mora sozinho, está terminando a faculdade. Está namorando uma garota linda, magra e alta, e todo fim de semana ele vai a vários bares com um grupo de amigos no centro da cidade. 

Aquela menina gordinha que ficava lendo sem falar com ninguém, eu a vi outro dia. Ela hoje está estudando direito na França. Casou com um francês e eu sempre vejo suas fotos muito apaixonada, feliz e rodeada de amigos. 

O gordinho do xadrez, este foi o melhor de todos. Emagreceu, ficou alto e virou modelo. Pra se ter uma ideia, eu nem consigo te dizer onde é que ele está agora, mas da última vez que vi, estava parado num farol com um carrão e tinha muitas mulheres dentro. 

A piolhenta? A piolhenta cresceu, aprendeu a lavar roupa, alisou seu cabelo, arranjou emprego, fez faculdade e hoje é CEO numa grande empresa. 

E eu? 
E você? 

Estamos a margem. Querendo ser tão aparentemente bons quanto os nossos excluídos. Estamos frustrados, na nossa época que era só uma brincadeira, hoje é uma infração. E o que inocentemente era uma predestinação, se tornou uma mentira. 

sexta-feira, julho 18, 2014

Viva ao feio!

Afinal por que não posso achar bonito o que chamam de trash? Qual o problema em fumar o bom e velho Eight? Velho Barreiro é a melhor cachaça de até 10 reais que tem. Gosto dos trens quando eles cheiram a mofo. Metrô consegue ser ainda melhor, como se tivessem tirado um vagão das profundezas da terra úmida só para me levar até o trabalho. Ou então que muita gente suada tivesse se esfregado em cada parte dele e seu suor, ao secar, gerasse o cheiro de mofo. Gosto de pisos de madeira velha, aqueles tacos pesados que em cinco anos de uso se soltam e viram um buraco de pó dentro do apartamento. Ah, e os apartamentos? Esses antigos do centro velho de São Paulo? Esses são meus preferidos. As janelas encardidas de anos de fuligem e ar altamente poluído. Desde o odor de urina nas calçadas até o cheiro de sujeira nas escadas. As portas são encardidas, especialmente perto das maçanetas. As torneiras já tem tantos anos que colorem a água de marrom devido ao ferrugem. O cheiro é especial. Cheiro que demorou anos para maturar, cheiro de todas as pessoas que por lá já viveram. Os apartamentos antigos são fascinantes, até suas goteiras e vazamentos são charmosos.
Gostar do que é feio vai além do que pode ser visto. Por exemplo, musica. Tenho ouvido muita musica que me faz pensar sobre o porquê delas não serem populares como deveriam pois falam de rotina ou pelo menos de pensamentos rotineiros. Com linguajar fácil e termos normais que usamos no dia a dia. "Quando você mija, você lava as mãos, antes ou depois, antes e depois ou nem antes nem depois?" A simplicidade com que essas perguntas e temas rotineiros como "bater punheta", "cagar em banheiro público" e "apanhar na rua" faz com que eu goste das músicas por entender que minha rotina rendeu boas músicas. Minha rotina é importante sim, inspira, sim! Acabamos aprendendo depois de anos dando murro em ponta de faca que na verdade as coisas não são perfeitas quanto deveriam ser quando compramos a ideia. Uma caixa de som remendada com fita isolante, não necessariamente é uma caixa de som ruim, não está perfeita como a ideia original, mas ela funciona e está lá. Temos a impressão de que as ideias que compramos tem de ficar intactas e perfeitas, mas elas mudam, como nós. E aí não dá pra ignorar, é uma ideia, você abraçou aquilo, mesmo que mude da ideia original, ela é sua! Viva ao feio, viva ao trash, viva as coisas entediantes, as rotineiras, aos detalhes dessas coisas.

A felicidade nunca é plena. Ela vem em pequenas doses diárias que devem ser bebericadas como o mais nobre dos vinhos.

sábado, maio 24, 2014

As coisas foram ruins por muito tempo, tempo demais.
Eu não sei se são as pessoas ao meu redor, ou se isso vem de mim, mas fui acometida de uma incrível lucidez e otimismo. Não estou louca, não estou sendo ingênua. As coisas ruins estão por aí ainda, os assaltos, os estupros, a falta de respeito, o egoísmo, a exploração, continua tudo aí. E também não irá mudar de uma noite para outra, de um governo para outro. Ainda existem os absurdos, e que fique bem claro, não é algo específico do Brasil. Temos nossos problemas, mas o maior deles é achar que só nós temos estes problemas.

Veja bem, não estou sendo enganada pela publicidade, como alguns já me disseram. Não estou acreditando nas propagandas políticas, com gente sorrindo e de mãos dadas cantando o jingle do candidato. Não, isso nunca passou pela minha cabeça.

E não é a Copa. Nem as manifestações.

O fato de acordar e olhar para o céu, quase 100% das vezes azul, ver toda a gente indo trabalhar, sem a revolta estampada, mas com ela ali, por qualquer que seja o motivo. Somos equilibrados. E no nosso equilíbrio, nos perdemos em nós mesmos, nos resgatamos das trevas ocultas de cada um, e logo em seguida afundando de novo. Todos somos luz e trevas. É o sorriso por qualquer coisa boba que aconteça na rotina, um sabor diferente experimentado no café da manhã, uma notícia vista no noticiário. Viva a normalidade!

É a lucidez que eu vejo em cada rosto, leio nas palavras das redes sociais, sinto no abraço de um amigo e no olá de um estranho. Estamos lúcidos, não desistiremos do que queremos, mas não faremos como antigamente. Faremos de um jeito novo, sem pressa mas com eficácia. Não nos enganarão de novo.

quinta-feira, março 06, 2014

Eu sei que você não vai ler


...e eu sinto muito por isso. Eu realmente gostaria que você me visse agora, adulta, e também queria poder olhar aquela pinta no canto da boca que você tinha vergonha.
Pensei em muitas coisas pra te dizer, durante a vida inteira. Como por exemplo "eu sempre soube que você era gay" e "eu senti sua falta" ou "eu te amo de qualquer jeito". Você foi o irmão que eu sempre quis ter na infância, meu melhor amigo, meu companheiro de dividir churros, irritar cachorros de rua, soltar pipa e cair os mais épicos tombos de bicicleta. Eu te amo tanto que até dói, jurei que isso não seria nunca uma despedida, um adeus.
E não será.
O garoto enrustido, amável e meigo que conheci e convivi os melhores dias da minha vida vai permanecer comigo, e a cada personagem criado por mim, você renascerá.
Você será para sempre, o mais cítrico dos meus amigos, o mais amado e a sua candura da infância estará sempre intacta em minha memória.
Em memória de Hiago Santana Bennesby