quarta-feira, maio 15, 2013

O sentido da música

O homem é perverso e isso é fato. 
Mas se existe algo do qual me orgulho de ter sido desenvolvido e do qual faz minha vida ter muito mais sentido depois da presença constante na minha tão ridicula vida é a música.

Na música não há distinção de cor, raça, classe social. Ninguém abre sua carteira pra ver quantos cartões de crédito você tem para poder ouvir sua música. Uma amiga de muito tempo uma vez disse que eu tinha o dom da música, mas eu nunca acreditei nessa história de dom.

É fato que eu gosto de cantar. Lembro-me de quando era bem criança e me escondia no vão do sofá com a chupeta (usei-a até os 7 anos) amarrada na fralda e o Sansão de pelúcia, enquanto minha avó passava a enceradeira no chão e aquele cheiro de limpeza empesteava minhas narinas. Ela botava um LP do Raça Negra ou da Clara Nunes. Saia dançando no corredor empurrando a enceradeira, com os pinschers atrás latindo. Depois, brincando de casinha debaixo da escada eu cantarolava as músicas da minha avó pra fazer meus bebês de plástico dormirem. 

Um dia, como uma brincadeira de professora e aluno, eu cantei um trecho de "meu coração, não sei porquê, bate feliz quando te vê..." e ouvi um "oh que lindo! você é soprano!" ... Hã? 

Então, alguns meses depois eu cantei "Happy Day" acompanhada de um coral de cerca de 40 crianças de sete anos num palco cheio de gente. Mas, mesmo com as chatices do coral (que era cerca de 70% do total), eu estava me divertindo. E, não querendo me gabar, eu cantava muito bem. 

Depois conheci a Tia Rosa. Professora de canto num curso oferecido gratuitamente pela prefeitura de Barueri - Canto Coral. 
Crianças estranhas, pobrinhas, riquinhas, chatinhas, legalzinhas, mas todas pequenininhas. Foram 4 anos, a rotatividade dos alunos e dos próprios integrantes do coral era grande, os alunos duravam no máximo um mês e meio. Exceto eu, que fiquei por quatro anos sem faltar a uma só aula, e a um só ensaio. Virei uma espécie de amuleto do curso. Patrimônio, saca?

Daí a Tia Rosa, que já tinha uns 65 anos, começou a apresentar sinais de esclerose. Morreu logo em seguida. O Professor Arthur então tomou a frente do coral. Eu o odiava, odeio. 

Fiquei um ano ao lado dele mas depois tivemos muitas brigas, durante dois anos, cheguei a me afastar do coral quase que de forma total. Ficava meses sem ir. E quando ia, fazia meus exercícios sozinha, ensaiava sozinha, não cumprimentava ninguém. Ele queria mudar o meu jeito de cantar, eu havia treinado por quatro anos uma forma de cantar que muito me agradava, minha voz era limpa, era alta e forte. Depois dele, ela ficou tremula, sussurrante, seca, uma merda. 

Orgulho-me da minha música, ela foi uma conquista minha, e não algo que veio de mão beijada, ou da qual não pude escolher. Estou voltando aos poucos, esse romance está longe de acabar.